É milenar o conhecimento de que a espiritualidade tem influência no ser humano. Raiva, rancor, orgulho, medo, egoísmo. Sentimentos comuns a todos os seres humanos podem estar no cerne de boa parte das doenças enfrentadas pela humanidade, segundo a própria medicina.
Segundo pesquisa publicada em 2012 pelo Pew Research Center, 84% da população mundial afirma ter alguma religião e 68%dessas pessoas se dizem fortemente engajadas a esse credo. Mesmo sendo um dos assuntos mais populares nas diversas classes sociais, o assunto ainda é marginalizado nas escolas de psiquiatria e de medicina.
Considerada uma forma de neurose por Freud, a religiosidade era assunto evitado em consultórios médicos, psiquiátricos e em estudos universitários. Entretanto, a partir de 1990, pesquisas realizadas por instituições privadas dos Estados Unidos e Inglaterra começaram a mudar este cenário. E comprovaram que existe uma correlação forte entre saúde mental , saúde física e saúde espiritual.
Um artigo publicado em 2020 na revista Lancet Psychiatry com o título “Espiritualidade e saúde mental: desafios e oportunidades”, afirmou que identificou mais de três mil trabalhos científicos estudando sobre essa relação.
Também a revista BJPsych Sdvances, da Universidade de Cambridge, publicou artigo compilando o resultado de estudos feitos entre 2010 e 2020 na área de saúde mental e espiritualidade. Algumas das conclusões são:
- Que pacientes com algum tipo de fé tem melhores índices de cura ou melhora em tratamentos de depressão, dependência e cometem menos suicídio;
- Frequentar um grupo ligado a alguma prática espiritual (incluindo meditação) também podem ser relacionados com predisposição de parte dos entrevistados a altos índices de felicidades, estabilidade matrimonial, baixa incidência de dependência química e menos casos de gravidez na adolescência;
- Os estudos também indicaram que uma vida religiosa ou espiritualizada não ajuda nem prejudica quadros mentais como esquizofrenia, bipolaridade e estresse pós-traumático.
Atualmente a relação entre saúde mental e espiritualidade tem entrado nas salas de aulas, como disciplina, das principais faculdades de medicina do Brasil e do mundo. Entretanto muitos médicos não conversam sobre isso com seus pacientes e alegam que não querem extrapolar o escopo do treinamento que receberam na formação.
Uma pesquisa realizada com psiquiatras no país, usando o banco de dados da Associação Brasileira de Psiquiatria, mostrou que a maior parte dos psiquiatras acredita nos efeitos, porém, a maioria não fala com seus pacientes sobre espiritualidade. E essa é uma barreira no acolhimento.
Quando um médico conhece o perfil religioso e espiritual do paciente pode ajudá-lo, porque tem mais uma ferramenta para promover a saúde. As crenças religiosas deveriam ser abordadas nas consultas, assim como se aborda alimentação, exercícios físicos, medicamentos e outros procedimentos que ajudam a amenizar o sofrimento.
Os estudo de como a espiritualidade pode afetar o sistema imunológico são estudos interessantes, porque o tema está inserido no desenvolvimento da neurociência. A questão da espiritualidade é muito subjetiva, mas é importante buscar respostas em termos objetivos, por meio de metodologia científica, para conhecer esses padrões. Cientistas começaram a estudar, por exemplo, as neuroimagens e os marcadores.
A ciência já conhece as regiões do cérebro que sofrem essa influência, como a parietal e a frontal, que se desenvolvem melhor com essas práticas. A oração e a meditação também inibem outras áreas como, por exemplo, as amígdalas, região do cérebro que faz com que as pessoas tenham uma visão negativa da vida. Já está demonstrado que um meditador controla melhor as amígdalas e desenvolve melhor as regiões parietal e frontal.
Segundo o Dr. Federico Leão “As doenças crônicas são uma insistência de que algo não está bem e o indivíduo precisa se abrir para uma mudança, para uma transformação. Entendemos que a cura é isso: uma capacidade de transformação. Muitas vezes, os médicos, querem transformar com procedimentos, com medicamentos, mas a pessoa precisa receber estímulos. Sabemos, por exemplo, que nos nutrimos pelo que absorvemos, não pelo alimento que comemos; e podemos comer qualquer coisa, tomar qualquer remédio e não absorvê-los, assim como podemos ter contato com algum conhecimento e não absorvê-lo. E aí não haverá transformação e vamos repetir os mesmos modelos.”
“Para que haja mudança é preciso absorver! É preciso desenvolver a sensibilidade do estímulo estético, do estímulo ético, das condutas, do estímulo do conhecimento, enfim, há muitos caminhos para isso.”
O Dr. Álvaro Avezum Júnior, é um dos principais estudiosos do país da relação entre espiritualidade e saúde. Esteve à frente da iniciativa da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) em publicar, há dois anos, as Diretrizes Brasileiras Sobre Espiritualidade e Fatores Psicossociais, que integram o conjunto de prevenção cardiovascular. “A SBC foi a primeira sociedade de cardiologia do mundo a associar enfermidade moral a doença cardíaca, a partir de evidências científicas”.
Segundo ele, com intervenções baseadas em perdão e gratidão é possível controlar, por exemplo, a pressão arterial. “Mas não um perdão condicional, que mantém o ressentimento, e sim um perdão emocional, que muda o que se sente em relação ao agressor”.
Hoje, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPICs), adotado em 2006 pelo SUS, engloba 29 recursos terapêuticos – muitos baseados em conhecimentos tradicionais como acupuntura, ioga, meditação, fitoterapia, massagens, reike, homeopatia e quiropraxia, e outros mais recentes, como ozonioterapia e biodança.
A adoção da PNPICs segue orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, em 1988, incluiu a dimensão espiritual no conceito de saúde multidimensional. Para a organização, espiritualidade é “o conjunto de todas as emoções e convicções de natureza não material, com a suposição de que há mais no viver do que pode ser percebido ou plenamente compreendido, remetendo a questões como o significado e sentido da vida, não se limitando a qualquer tipo específico de crença ou prática religiosa”.
“A PNPICs pode fazer a grande diferença para a saúde da população, ao valorizar o conhecimento tradicional, as culturas regionais, amparada no aculturamento espiritualista, sobretudo a um baixo custo”, diz o neurocientista Sérgio Felipe de Oliveira.
É neste sentido, por exemplo, que o médico deve explicar que o paciente não pode estar estressado quando for tomar o medicamento, porque a adrenalina vai atrapalhar a sua eficácia. “O estado de espírito do indivíduo interfere na farmacocinética, ou seja, na absorção e distribuição do remédio no organismo”, diz. “Se a oração e a fé do paciente podem acalmá-lo, isso será importante para que a medicação surta efeito”
Então, poderíamos dar vários exemplos aqui, mas existem certos temas que precisam se superar nas discussões e comprovações para terem reconhecidos o seu valor. E a espiritualidade é mais um deles, é preciso muitos estudos e debates para “quebrar os paradigmas que são falácias”. Como foi dito anteriormente, todos sabemos que a espiritualidade funciona, que coisas boas atraem coisas boas. É preciso somente ser cuidadoso na abordagem, para que o paciente não pense que a cura dele depende de um milagre, e não da combinação da ciência junto com sua missão nesta vida.
Fontes:
BBC Brazil, artigo publicado em 09/05/2021
Jornal O Globo, artigo publicado em 26/09/2021
Site da ABCD, entrevista com o Dr. Frederico Camelo Leão